terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sobre as estrelas



"Brilhar para sempre, brilhar como um farol, brilhar com brilho eterno, gente é para brilhar..."
( Maiakóvski)

O destino está nas estrelas. olhando as constelações a noite podemos fazer várias leituras delas. Se a sorte ou o infortúnio ocorre da forma como vemos, lemos e admiramos as estrelas. Precisamos criar uma relação entre a vida que vivemos na terra e as estrelas que se compõem no céu. Uma estrela guiou reis  magos para a criança que nascia, outra que cai e o desejo que se pensou e as três marias poderiam sugerir irmãs...
Há tempos atrás, fugindo da seca, os retirantes saiam em família numerosa pelas estradas, faziam de tudo para escapar das piores situações: não morrer de fome, sentir sede e não ter água para beber ou simplesmente serem abandonados pelo meio do caminho. Os maridos viajavam sozinhos para as cidades distantes, deixando os filhos na responsabilidade das esposas. Alguns nunca voltavam para o lar. Crianças eram mandadas para casa de familiares. de onde nunca mais teriam contatos com sua família. As meninas quase moças se tornavam objetos de trocada por comida ou animais. Meninos quase homens também são trocados por dinheiro. Isso acontecia por causa da seca.
Cada menino, cada menina que vivesse tal situação de abandono e privação, os pais buscavam uma explicação para que se aceitassem a situação. Diziam: você vai se encantar, virar estrela no céu, onde eternamente seu pai, sua mãe poderá vê-lo. A lua os transformava em pequenos astros para morar no céu. Se uma nova estrela aparece em volta da lua, será a criança que carregou o peso da violência da seca.
Assim, se um retirante olhasse para o céu estrelado, procurava encontrar o filho perdido na estrada ou a filha abandonado numa casa distante na forma de estrela.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A vingança de João de Deus










“ venenos de Deus, remédios do Diabo.” (Mia Couto)

Independente do inverno ou da estiagem, o sertão quer  caçadores.  João de deus era meio caçador e meio vaqueiro.  Alto,  já com certa idade,  corpo fechado,  falava e cuspia mostrando como fora as aventuras. Admirado nas redondezas pela arte de caçar com armadilhas ou pelo tiro. Se elogiava  a habilidade de se posicionar e  mirar. Atirava pouco e certeiro com as balas. 
Desde menino era assim, conseguia acertar de longe o beija-flor e até no fim da madrugada, atingia os preás no árido breu. Quando saia  para pescar mantinha a mesma habilidade em capturar os peixes astuciosamente. Por outro, as pessoas comentavam sobre o fato de não ser pai: pacto com o tinhoso em troca da pontaria.
Certa noite fria,  João de deus e a mulher estavam no alpendre da casa  com  os vizinhos acocorados. Eles sempre iam ouvir as histórias de caças.  Nessa  ocasião, João de deus contava como pegou uma onça feroz iluminado pela lua. Quando de repente, tiveram a visita inesperada de Diana, uma cigana que andava com seu grupo pela região. Do portão do sítio, lhes pediu comida e água. A mulher foi logo buscar. Depois de saciar a fome, Diana retribuiu o prato de comida lendo a mão esquerda de João. Garantiu nas linhas tortas a vinda do filho. Tempo depois, a mulher confirmou a João de deus: que estava em grávida.  Toda noite a barriga crescia um pouco até ficar redonda e pela forma era um menino.
O inverno veio. As chuvas encheram os açudes. Deixando verde a terra. Depois chegou a estiagem. Árvores  tolhidas com folhas secas. Vento abafado.  OS bezerros em orfandade. Enquando o menino se edificava na barriga. A mulher na espera do parto, resolveu  fazer um borná branco como algodão. Queria que o filho seguisse o rumo do pai nas caças.
No dia do parto. Enquanto o menino nascia, a mulher falecia. João de deus mergulhou na tristeza funda. Cabeça baixa e olhar pensativo. Dizia que o  filho era culpado por ter matado a esposa. João não tinha alegria de viver. Começou a beber sem controle. O filho ia crescendo assim, tristonho e calado.
Nas noites enluaradas, João de deus saia à caçar. Não eram os animais, mas o diabo. Se embriagava, colocava o chapéu e pegava a espingarda. Ouviam-se tiros e injurias de João ao longe. Gritos e murmúrios.
Numa noite de calor, percebeu um movimento incomum na catinga. Era o “cavalo do cão”. O barulho que o diabo faz à monta-lo. Mirou na escuridão o zumbido e apertou o gatilho. O tirou fez fisca da espingarda com uma  claridade ofuscante. Tudo se iluminou da espingarda ao bicho atingido. Ao ver o corpo estendido no chão percebeu o infortúnio. Acabara de acerta o filho que estava com o borná branco. A imagem do filho agonizando devorou todo o pensamento de João de deus. Daquela noite em diante, o pobre homem trocou de vez o dia pela noite. Foi viver numa caverna, onde passava enclausurado e a noite saia para caça animais ou o diabo.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O cangaceiro e o beato




Para Jararacá( que não fez a prece final)
“ O sertão é uma espera enorme” ( Guimarães Rosa)

Um cangaceiro que atormentava as pessoas e só vivia de fazer maldades nas entocas da caatinga se encontrou com um beato  que andava pelos sertões a ajudar aos mais necessitados,  fazer caridade aos pobres e dar bons conselhos aos desorientados da vida.
Quando os dois se viram, o cangaceiro sacou da arma e avisou que seria a última vez  que o beato viria alguém. O beato pediu que fossem  para debaixo da sombra de um juazeiro próximo já que era tarde e o sol forte castigava com o calor nessas horas com desassosego. O cangeiro concordou. Ambos andaram para debaixo da árvore. Na sombra do juazeiro, o beato ficou em silêncio a pensar. O cangaceiro disse: reza  pela derradeira vez.  Reze por você, por mim e toda a gente desse sertão. Daí, respondeu o beato ao cangaceiro: Você vai esperar até que eu acabe com a prece. O cangaceiro falou:  Pode fazer, eu espero o tempo que for.
O velho ajoelhou-se. Fez o sinal da cruz. E começou a  prece.  Rezou do meio-dia até o anoitecer, do anoitecer rezou ao dia raiar, da manhã até a noite de novo. Do verão  até o invernada.  A reza se alongou de  um ano após outro.
O juazeiro cresceu tanto que chegou até as nuvens, dos frutos nasceram novos juazeiros até toda a redondeza virar uma imensa mata e a prece final não terminava...A arma do cangaceiro se fez pó há muito tempo, as roupas de couro ficaram finas. O calor ressecou os dois, mas nada afeta a espera. Já não possuem forças para sair da posição que estão e do lugar que ficaram. Mesmo assim, a vida continua no sertão entre a ameaça de ser tirada a vida e o amém final da prece  a Deus.