sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O boteco




Ao amigo Josafá.


Sempre há discussões acaloradas entre os sábios de que a comida une as pessoas, já a fome de muitos separa e nos desumaniza. Não precisa ser gênio para concordar que realmente que a alimentação tem tal poder de reunir e trazer a felicidade. Entretanto, é preciso entender detalhes que vão de um banquete requintado ao simples petisco com os amigos nos restaurantes e botecos. No geral, os restaurantes, cada vez mais temáticos, costumam atrair fregueses de poder aquisitivo para desfrutar do ambiente e do que lhe é servido com nobreza. Há opções para os diversos paladares: restaurantes chinês, italiano, árabe até o  baiano, todos evidentemente são disputados pelas pessoas para terem uma mesa e conversarem sobre confidências ou projetos.
Particularmente fico pensando sobre botecos ( botequins) que por mais familiar que sejam, pertencem a realidade social dos segmentos populares. As impressões que transcrevo aqui não se compõem em uma geografia dos mesmos. Mas, uma tentativa de rever esse cenário de figuras humanas e as teias de relações que se compõem. Dos churrasquinhos aos cachorros-quentes passando pelos bares rudes que existem em cada esquina movimentada de qualquer cidade, lá estão eles.  Comida ou bebida parece ser quase igual em todos. Sim, quase. Há diferenças de opções de um lugar a outro como de frequentadores. Os botecos podem ser parada e local de reunião de pessoas. O detalhe fica na arrumação, as mesinhas estrategicamente com temperos, portas-guardanapo, paliteiros. Dispostas em cima da calçada e as cadeiras cuidadosamente colocadas em cada e acrescenta-se música ou uma televisão para puxar assunto. Geralmente há uma placa anunciando o nome do estabelecimento.
As pessoas que se reúnem em volta de um boteco é um capitulo a parte, quiça o mais importante de tudo isso. Constituem de forma mais ampla, possível e democrática as categorias sociais. É gente, gente, gente, gente a conversar e a rir... Não há outro lugar para desempenhar a livre opinião de pensamento do que um boteco, melhor dizendo sem ser moralista, os famosos  “ pé-sujo”  ou “ morre em pé” representam uma tribuna  de debate da vida humana. Lá se conversa um pouquinho de tudo  e se expressam opiniões diversas: Futebol, novela, política, religião...Não é somente a ralé que vai ao botequim. O professor vai, o gari também; do bêbado pedindo o trago ao policial a paisana.... Nas conversas se chegam a uma conclusão ou se revela ao ouvido um problema e de vez enquando se canta em coro. A conta do que se comeu e bebeu é compartilhada. Tudo isso são situações que ocorrem num botequim. 
Numa sexta-feira ao se transitar pela rua em direção ao supermercado ou de volta para casa, depois de um semana de trabalho, vemos esse cenário: motos, carros, bicicletas estacionadas e as pessoas em volta da mesa com seus pratos e iguarias, tomando “um trago”, o cheiro espalhado da carne, dos caldos e dos outros aperitivos a nos convidar a fazer parte do banquete. Conversas animadas mostram o lado da vida saboreado com um copo de cerveja. Desaparecendo as diferenças já existentes no cotidiano da gente.
Coleciono botecos em imagens que o pintor Monet ficaria com inveja. Guardo nomes, fregueses e proprietários como um aficionado. Como dizia no inicio, não precisa ser um sábio para saber disso. Precisa-se ter uma percepção diferente da realidade extraordinário.

sábado, 12 de novembro de 2011

Prova de amor

 O Jardim chamava a atenção de qualquer um que cruzasse pelo portão, cheio de cuidados da viúva rica que morava no casarão colonial no centro da cidade. No meio do jardim havia uma rosa única nas redondezas. Churrasquinho   rapazinho que tinha rapidez nas pernas e valentia no coração no quando o assunto era futebol sabia da rosa mas não lhe dava importância, também ouvia coisas sobre a viúva e o jardim, do zelo a rosa  indiana... E havia no coração dele o crescente  desejo  de desconhecer os riscos para ser amado e ser correspondido.  O desafio posto era passar por todos os obstáculos até chegar a rosa e presentear a amada. Pensou em pedir, mas viu que nada disso adiantaria. Talvez se juntasse dinheiro e  comprasse, poderia ser  fácil. Desistiu da idéia por saber que se tratava de rosa rara e única  vinda da Ásia.  A  solução era roubá-la e transformar o furto em ato heroico. 
Condição imposta pela moça, filha de comerciante que há tempos sonhava namorar não mudava. Mimada, a moça sempre teve  o que queria ou desejasse pelos pais. Se tornou invejosa ao ver a dona do casarão. Sucederam-se dias  e Churrasquinho começou a averiguar o jardim, a altura do muro e o espaço  após as aulas matinais. O portão trancado, dois cachorros soltos  a latir e ainda  o jardineiro cuidando das plantas e flores olhava-o de longe. A ansiedade de tê-la  nas mãos não diminuía, só aumentava. As batidas do coração tornaram-se furiosas em saber que poderia ser capaz de roubar a rosa como prova de amor. O rapaz era honesto e queria viver, mas o amor exige mais do que honestidade quando se está apaixonado.
Certo dia, o destino conspirou para o crime.  Por acaso já se passava do meio-dia e as condições facilitaram o plano. Certos furtos acontecem a luz do dia. O sol colocava calor na aventura, respirou e agiu antes de se arrepender. Parecia ouvir o apito do jogo da vida. O portão estava semiaberto, os cachorros presos  dormiam e o jardineiro, ausente. Sem ninguém percebeu o rapaz que silenciosamente destravou o portão e entrando devagar no jardim proibido. Avançou entre as alamedas verdes até cruzar as centrais. Estátuas de gregas eram as testemunhas que não lhe causavam medo e sim coragem.  Avançou até a roseira  e tocou o ramo com espinhos para retirar a rosa branca. O furto machucou a mão. Nesse momento a viúva vendo da janela, gritou: ladrão! Ladrão! Acudam... Os cachorros acordaram do cochilo e latiram ferozes.  De dentro do casarão ouviu se o barulho e já estava abrindo a imensa porta.  As pernas tremeram e ele tomou a consciência daquilo e correu em direção ao portão. O fôlego subiu até a garganta. Rápido num intervalo de tempo, saiu do jardim deixando o portão escancarado. Pensou que  ninguém precisaria saber da aventura, uma ato  heroico e marginal.
Ao sair do casarão, com as forças redobradas adiantou os passos e conseguiu chegar numa praça do chafariz. sentou tranquilo no banco e ainda tonto do que houvera, olhou o furto na mão com se não fosse mais um inocente e pensou que outros furtos amorosos viriam ao longo da vida: talvez um beijo roubado...Se recompôs e caminhou a passos firmes de homem para a casa da amada. Entregaria a rosa e teria na ocasião o primeiro beijo. 
Quando chegou à casa da amada, chamou ela. Ninguém respondia. Teria sido em vão aquilo tudo, os dias de planejamento em roubar à rosa. Lembrou-se do perigo ocorrido a poucos instantes e a mão ferida com os espinhos. A porta se abriu devagar, ouviu conversas mansas e barulho de talheres e o rosto da moça veio no meio da porta depois. Com a rosa escondida nas costas, Churrasquinho saudou a moça e mostrou a rosa exótica. A moça sem querer acreditar naquilo, ainda sorriu e pegou a rosa. Depois de um momento em silêncio, ela falou que não queria a rosa. Disse que havia pequenos pontos de sangue nas pétalas. A rosa não era pura com gotas de sangue, não valeria. Sem mais agradeceu, devolveu a rosa e fechou a porta.
Churrasquinho conteve a euforia e sem chance de contar a aventura,  caminhou para a praça do chafariz. Sentado num banco no meio da praça, a mão pulsava pelo sangue e os espinhos. Começou a retira-los. Uma moça se aproximou do chafariz e  encher um vaso de vidro com água. Olhou demoradamente e perguntou se ele não queria lavar a mão. E enquanto lavava a mão, começou a ficar comovida com o que estava vivendo. E aqui começava uma nova prova de amor completamente ignorada pelos dois.

domingo, 6 de novembro de 2011

A poesia nas portas





 

A PORTA ( Vinicius de Moraes)


Eu sou feita de madeira
Madeira, matéria morta
Mas não há coisa no mundo
Mais viva do que uma porta.

Eu abro devagarinho
Pra passar o menininho
Eu abro bem com cuidado
Pra passar o namorado
Eu abro bem prazenteira
Pra passar a cozinheira
Eu abro de supetão
Para passar o capitão.



Só não abro pra essa gente
Que diz (a mim bem me importa...)
Que se uma pessoa é burra
É burra como uma porta.




      


 

Eu sou muito inteligente!
Eu fecho a frente da casa
Fecho a frente do quartel
Fecho tudo nesse mundo
Só vivo aberta no céu!




sábado, 5 de novembro de 2011

O registro do tempo

eu parei de lutar contra o tempo
ando exercendo instantes
acho que ganhei presença ( Viviane Mosé )


Minúsculo como é o segundo dentro do minuto, ou maiúsculo como são os meses povoando o ano de forma circular, o tempo por vezes, nos cativa quando estamos felizes e quiça nos acorrenta quando somos presos a atividades dolorosas.
Houve um tempo em que era garoto e como não tinha dinheiro para comprar figurinhas e pô-las num álbum como fazia os meninos da rua, resolvi colecionar calendários de bolso. Queria guardar os anos e as paisagens e o que era sublimação se tornou felicidade. Quando mais antigo o calendário e exótica a imagem, maior o valor sentimental. As pessoas que sabiam da coleção se tornaram aliadas, traziam calendários com lugares estranhos para aumentar a coleção. Quando chegava um visita em casa, mostrava toda a coleção com os nomes das terras estranheiras sem sair de casa.
Também recordo do relógio elegante na sala da minha avó que badalava as horas. Na cozinha, todos conversavam e de repente, o som daquele relógio que enchia a casa nos lembrando do momento para todos nós. As seis horas, minha vó deitava na rede e fazia orações do anjo e o relógio badalando aquele momento.
No final do ano, quando papai chegava de viagem trazendo vários calendários que eram espalhados pela casa como única decoração. Na maioria com imagens de santos, lugares do Brasil e até artistas. Mas houve um tempo que possuíamos um calendário de folhinhas avulsas na cozinha. Sentia prazer em acordar e logo ir retirar a folha do dia passado. Sempre tinha uma mensagem no ver, um lembrete que fazia a rotina se tornava diferente. 
Depois vieram as agendas na adolescência que seguem até hoje. De início, vieram de presente no final de cada ano como forma de amizade. Nesse período vieram os relógios de pulso no braço. Tinha preferência por mostradores de algarismo romanos. Até gosto do modo como os romanos transformaram as letras em números e guardo antigas agendas que se tornaram anotações de reuniões, data de encontros e pensamentos furtivos. Quando aos calendários de bolso, quisera uma chuva atemporal molhar todos.
Não importa como se simboliza no transcorrer da existência, ele estará presente em nós. Registrando acontecimentos, escondendo outros e forjando situações inesperadas no futuro. Estaremos juntos com o tempo. 

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A arte no lugar dos mortos


"A tormenta se desfizera ao pé do túmulo"
( Henrique Castriciano no sepultamento de Auta de Souza)




ah, medo eu tenho não é de ver morte.
mas de ver nascimento.
Medo mistério. 
( Guimarães Rosa)



A saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu. (Chico Buarque )













"O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte." 
(Nietzsche)


É difícil guardar uma pessoa dentro de uma pedra, quando ela escorrer nas memórias.




 " E depois de termos construído um altar
para a Luz Invisível, 
poderemos sobre ele colocar
as pequenas luzes
para as quais os nossos olhos foram feitos."
( T. S. Eliot )

Ao Pé do túmulo
Quando eu d'qui me for, (...)
Quando vier a morte que não tarda
Roubar-me a vida para nunca mais...
Em prato escrevam sobre a minha lousa:
Longe da mágoa, enfim, no céu repousa.
(Auta de Souza)

Não procurem ali
onde os vivos visitam 
os chamados mortos
procura-me dentro das grandes águas... ( Hilda Hilst)