" Agora não há outra música senão a das palavras e essas sobre tudo as que estão nos livros, tão discretas e ainda mais curiosas..." ( Saramago)
Nos últimos meses experimentei uma relação de leitura da palavra e releitura da realidade com Saramago. Ao mesmo tempo que pesquisava quem era Saramago e lia suas obras. Isso começou de forma espontânea e sem rigor acadêmico. Era uma noite de risos e conversas prazerosas entre amigos num apartamento comum a qualquer um de nós. Já estava fora do prédio e nos despediamos, quando lembrei dos DVDs esquecidos na sala. Alguma dia escrevo sobre isso que teima em mim...Ensaio sobre o esquecimento, benefícios e maléficios? Então, resolvi voltar e ir pegá-los na sala. Na estante onde estavam os filmes, vejo o livro: ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA. Pedi emprestado e levei o livro e li simplesmente. Dai não parei, veio a vontade de ter mais um livro e outro amigo sabendo disso me presenteou: Ensaio sobre a lucidez (totalmente diferente da cegueira). Num efeito focado no autor, peguei emprestado na biblioteca: In nomine dei e Levantado do Chão. Recentemente comecei a ler " Caim." Além disso vi documentários e entrevistas sobre o mesmo e o filme de Fernando Meirelles; li artigos e críticas a favor e contra ele. Assim despreocupado fui lendo e entendendo quem era esse homem. Acredito que sei pouco sobre o mesmo apesar disso, Saramago é assunto amplo e profundo como convem ao artista impar. A mim disperto o lado de pesquisador por prazer.
A lucidez e a criatividade se combinam nas obras de José Saramago. Mergulhei no universo dos personagens de uma cegueira branca, senti fome junto aos pobres explorados em levantado do chão, me tornei cumplice nos dilemas éticos de Caim com deus...e viajei para os cenários descritos por ele. Foram meses que nutriram a inteligência em mim. Até me atrevi a escrever contos a partir do que lia e vivia na realidade cotidiana tendo como fonte José Saramago, firmou-se o lado em mim do escritor canhoto. Todos os amigos próximos sabem disso, pois ouviam os relatos das leituras e principalmente sabiam da satisfação de cada obra que consegui ter nas mãos e as análises que fiz a partir do que lia contagiado com Saramago. Me transformei sem ninguém perceber e tomei o ato significativo de ser sempre leitor. Um livro dele pode ser crucial para mudar as lentes da realidade. Dai, me empolguei para entender a biografia do português ganhador do prêmio nobel de literatura. Do seu nascimento até receber o prêmio Nobel de literatura, valeria um livro. Enquanto ia levantando a vida dele ao mesmo tempo me animava a razão de saber que não estou só num mundo masssificador. Explico melhor por que digo a solidão: Faço questão de dizer que o mundo anda ao contrário ao saber que um homem de 87 anos consegue perturbar as estruturas políticas e religiosas dos poderosos lusitanos com palavras artísticas e esse homem é/era JOSÉ SARAMAGO. Hoje existem escritores aos milhares para se vender muito livros e ficarem na lista dos mais vendidos, mas são escritores sem nenhum significado e profundidade para a experiência amorosa de ler.
A arte de escrever ao que chamamos de romance, associado ao prisma de expor a realidade pelo tom minucioso e cauteloso está presente em cada livro. Saramago sempre sabia o que deveria escrever e ontem chegar em cada capitulo. A pontuação é própria e ritmica, parágrafos quase não há, pois é de um fôlego só que você vai adentrando as histórias e nos enredos. Por vezes subverte a obra com desregrar as ordens de pontuação como uma composição sonora. Noutros momentos, nos faz lembrar a etnografia ( no sentido amplo do conceito), típico dos antropólogos em trabalho de campo. A diferença para começar, guardando os devidos modelos, é que Saramago usa a arte e não as teorias cientificas da Sociologia, Política e Antropologia para expor os dramas humanos e sociais.
As leituras vieram e preencheram o vazio da sala, a ausência de algo na cama antes de dormir e dos dias em que precisamos de livro companheiro para ler. Reinventei uma humanidade segundo o olhar de Saramago e me apaixonei pela literatura. De fato, há muito tempo atrás já tinha lido o Evangelho segundo Jesus Cristo que depois influenciou um amigo de teatro a monta uma pequena peça sobre o mesmo título ao me ver com o livro. Outro detalhe foi o crescimento e a maturidade.
Hoje no final da manhã, quando chego da escola e ainda sentado no sofá, o mesmo amigo que me emprestou Ensaio sobre a cegueira, me liga. Diz que não tem noticia boa para mim. Falou que Saramago havia morrido, começar a ler o artigo na internet pelo telefone. Fico um pouco em silêncio, o velório do escritor com o leitor se inicia a partir daquele instante. O amigo talvez nem reparou nisso, procurei organizar a realidade sem Saramago. Remexeu a notícia sensivelmente no dia 18 de junho. Estou aprendendo e descobrindo as obras de um homem que morre, porém é novo.
A capacidade de entender a natureza da vida humana na frágil experiência com a morte apareceu nesse momento. O novo-velho humano se fez em mim com a noticia sobre a morte de Saramago, ao longo desses meses consegui ir profundamente nos questionamento sobre a existência de deus sem medo ou receios nessa hora, a análise a vida em Sociedade e outros temas tão convergentes no escritor. Saramago ainda continuarar a ser um habilidoso artista das letras, também talentoso com a própria morte, num tempo atual que é dominado por falsas crenças em deuses e leituras de Dan Brown e Sagas de Vampiros medrosos, ler o ponto de vista em Saramago é reencontrar-se e se tornar mais astuto com as palavras do português. Assim, espontaneamente vai o homem e ficam as obras e a saudade.
5 comentários:
Meu amigo, seu texto é um clarão de homenagens ao escritor que a natureza e o tempo fez perder a visão, mas essa deficiência o fez perceber melhor o homem e sua condição.Na verdade cego é quem ainda não descobriu Saramago!A descoberta do artista fez de voce, o leitor-amante, mergulhar na imensidão da luz das possibilidades em que o individuo estar destinado.Desde então não somos mais os mesmos,nem Saramago está ausente!!
"E pur si muove!"
Bela homenagem Costa!!! Imagino mesmo como o tocou a notícia.
Eu mesmo fico bobo, mas ao mesmo tempo me sinto provocado por ele. Ter convicções na arte e por ela esporrar idéias disseminando a transformação das coisas. Pura decomposição das subjetividades.
E aí, quem encara sair de seu conforto pequeno-burguês, movimentar-se e cutucar feridas? Rebelem-se belamente!!!! sem medo da morte!!!!!!
Abraço
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