quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O olhar de Glaucio




                                                     Para Firmino  


O olhar faz a diferença, todos sabem disso com uma verdade visível. Observanis isso quer seja o detalhe dos fartos cílios, a cor da íris ou os olhos e os formatos. Possuir nos olhos algo que ao invés de admiração pode causar constrangimento ou piedade aos demais. E quando se tem um detalhe e não qualidade nos olhos que poderia chamar a atenção das pessoas, temos como conseqüência as provocações, os comentários chocosos e os risinhos dos demais. O recurso para neutralizar tal exclusão é procurar desenvolver um talento aos ditos bons olhos ou chegar o mais próximo possível.

Glaucio possuía a pequena falha que o diferenciava dos rapazes. Os adolescentes conhecidos ou desconhecidos faziam gozação com o olho fora de paralelo. Apesar de receber conforto materno, ele se sentia só e sem amigos verdadeiros que pudesse compartilhar tristeza ou alegria.

Um detalhe na vida dele era o espelho, os rapazes e moças tem o prazer de ficar por horas no espelho. Ou se admirando ou procurando minúsculos defeitos. Glaucio não ousava se olhar no espelho para evitar um transtorno ao ser visto. Penteava os cabelos apenas vendo o reflexo. Raras as vezes fazia o uso do mesmo e quando isso acontecia era para outras partes do corpo, menos o rosto. também era cuidadoso com os registros fotográficos. Arrumava desculpas para não sair nelas. Se justificava dizendo ser a roupa, ou o cabelo e assim...por diante. Assim, nunca teria o registro do estrabismo na imagem dos outros. Por cautela, não fez a carteira de identidade por causa da auto imagem no documento.

Nunca encarava por muito tempo as pessoas, poucos minutos de conversar e desviava o confronto olhos nos olhos com o interlocutor. Os apelidos puluvavam nos lugares que frequentavam quer seja a escola, a igreja, a rua ou o clube.

As moças só queriam ser amigas, namorá-lo nem pensar. Imaginem os comentários dos outros sobre a namorada do vesgo. Respeitavam e até tinham pena dele, mas isso era segredo para ele.

Tenta compensar a falha sendo bom filho, excelente aluno e companheiro dos raros amigos que tinha. Queria ter um talento que provocasse admiração de todos, mas até agora isso não tinha acontecido. No futebol ficou deslocado dos amigos por acreditarem que as falhas no gol vinham do estrabismo. Na escola, sofreu as gozações necessárias que ficou tolhido em desenvolver sua inteligência ou amizade profunda.

Foi por ocasião do dia 13 de dezembro que Glaucio mudou a razão de estrábico. Antes um peso e sofrimento para algo leve e suave, percebeu a transformação em ter o olhar estrábico. E isso não fora um milagre da virgem de Siracusa. Na hora da procissão de Santa Luzia, resolver portar uma máquina fotográfica. Queria registrar os romeiros e devotos mais simples no percurso. Vê-los pela lente enquadrada da foto. E foi registrando um aqui e outro ali que lhe chamava a atenção. Pessoas em todas as ocasiões e o jeito foram sendo captada pelo olhar estrábico de Glaucio. O movimento deslocado do olho teve a capacidade de garantir o ângulo, iluminação e posição ideal.

Depois da procissão, ele teve a oportunidade de expor num concurso de fotografia as fotos. No júri estava um famoso fotografo que quis saber mais sobre o rapaz. O fotógrafo não acreditava que o olho estrábico fosse capaz de ter captado a essência do momento com tanta qualidade. Glaúcio pode então compreender que o era razão de desgosto, ser motivo de compensação de tudo que o excluía e que agora o colocava na condição de um promissor fotográfico. Por fim, seu olhar era vesgo e alegre.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Tecendo a madrugada




Um galo e  ninguém sabia explicar direito sobre a origem dele, de onde veio e como chegou ali. As pessoas o reverenciavam  como um deus, cantando músicas que tivessem na letra algo sobre o galo e outros se vestiam com fantasias de penas. A cada ano a quantidade ficava maior, eram devotas do galo.
Era igual aos outros que encontramos nos terreiros.  De vez enquando, o galo abria as asas, esticava o pescoço e cacarejava. Era tão forte que de  longe se ouvia.  Os donos ficavam felizes com a ave que era o rei da freguesia.
De manhã, o galo  olhava o alvorecer e  ficava esperando os primeiros raios iluminar   e entoava o canto. O que outros não sabiam, era  que  se fazia isso por um único motivo: acreditava que poderia ser atacado pelo sol.  O inimigo morava no céu e  avançaria  em  direção ao terreiro e destituiria  de seu reino.  Sendo valente e corajoso por natureza, cantava como uma forma de convocar os demais  galos da vizinhança. Assim, todos cantavam para aplacar o inimigo imaginário.  Se o dia amanhecesse nublado ou até chuvoso, o  galo justificava dizendo que  o sol se escondeu entre as nuvens por medo.
Quando a noite chegava, o galo se recolhia ao puleiro. De longe, a lua era admirada por ele.  Olhava  cortejando, não cantava, mas sim uivava apaixonado. Isso acontecia há anos.  Quando a lua aparecia maior no céu arrodeada com as estrelas, o iuvo era intenso e agudo.  Se por acaso, não encontrasse  seu vestígios dela na noite, culpava o desaparecimento acreditando que era ciúmes do sol.
Muito tempo depois...Numa certa manhã de sábado, ninguém conseguiu explicar o que acontecceu com o galo e a paixão pela lua e sua disputa com sol. O certo é que o galo está nas ruas do Recife, sendo exaltado por foliões. Ergue-se como um totem no meio da ponte, parece alcançar os céus. E todos sabem, se é que tem tempo para pensar que o carnaval começa somente no galo da madrugada.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Os amores e as cartas




Para Maria Clara

"Quem disser que se pode amar alguém durante a vida inteira é porque mente" 
( Florbela Espanca)


Clara com seus olhos azuis tinha uma pureza que adentrava sua juventude. Se percebeu apaixonada pelo rapaz da padaria. Foi tão rápido aquilo que ela mesma não sabia explicar, vivia se alimentando do que pensava nele, fazia planos para  revelar o sentimento na hora certa. Seria o amor de entrega: um pelo outro, sem pensar nas consequências. Num domingo, a prima e  melhor amiga,  foi a casa dela  almoçar. Depois da refeição, as duas estavam no quarto, então a prima lhe falou que tinha um segredo: se apaixonará pelo certa rapaz da padaria e que estava sendo correspondida também por ele.  Já tinham marcado encontro na praça da cidade. Era o rapaz de Clara. Aquilo foi um balde de água fria para a moça.
O tempo passou o suficiente para  agir com esquecimento no coração . Aos poucos, Clara se apaixonou  novamente e surgiu o novo rapaz.  Um dos jogadores do time que se reuniam para jogar bola no final de tarde próximo a sua casa. Amor perfeito é aquele que acontece no entardecer do dia e no alvorecer da vida, pensava a moça. Descobriu que desejava o goleiro magro mais elegante que andava de luvas  revelando somente os dedos. Observava o rapaz animado a conversar com os amigos, nem sabia o nome ou a rua onde morava. Contava as horas para vê-lo após a partida de futebol passar na rua, saudá-lo com um sorriso e aceno de mão no meio da calçada.  Num domingo quando se encerrava um campeonato, se preparou especialmene  para lhe dizer que amava tanto e não poderia guardar isso. Num fim de tarde,  Clara disse para si mesma que iria chama-lo. Havia nuvens avermelhadas e um azul em tons pelo céu e nos seus olhos.  Após a partida, o goleiro passou de braços dados com uma  namorada se beijando e comemorando a vitória.  Rompeu-se o que se guardava no coração e a fez recuar para dentro de casa. Não queria ser motivo de desunião já existente e mudou o costume de espera-lo ver passar, em recompensa o tempo acalmou seu o coração. E assim ocorreu...
No tempo de quaresma e remissão, se viu admirada pela beleza do rapaz  que ajudava na missa. Notou que os olhares se tocavam durante a celebração. Não pode acreditar. Começou a ir constantemente a igreja e olhava perdidamente para o rapaz  todo de branco no altar que tocava o sino da eucaristia. Dizem que os sinos tocam quando estamos apaixonados. Pedia em prece que o sacristão fosse o amor definitivo. Sentia ser a sua alma-gêmea onde se combinam tudo de um no outro. No domingo, antes de encerrar a missa de ressureição, o padre anunciou feliz que o sacristão iria ser o novo seminarista da paróquia. Clara de olhos baixos e em prece pediu a Deus para acalmar a dor daquele instantea.
A vida de desamores tinha sido ingrata em não ter ninguém ao lado. As amigas já contavam histórias dos namorados, dos beijos e brigas com os rapazes, mas ela não tinha nada a dizer e nem a quem desejar. A infãncia tornou um passado cada dia mais distante. Nem se sentia moça por não ser  desejada por nenhum rapaz onde quer que fosse.
Um dia, a moça resolveu ir a cartomante que poderia lhe ajudar. Era Sexta-feira, a casa da cartomante ficava numa vila de casas, sendo a última dela. Clara foi recebida pela própria cartomante que pediu para a moça se sentar na sala decorada com objetos de magias. Depois de um tempo ela foi chamada para entrar na sala onde colocavam-se as cartas. Era uma sala com pouca iluminação, incenso aceso e tendo ao centro uma mesa redonda.
As duas ficaram sentadas de frente uma para outra na mesa, a cartomante pediu que ela olhasse nos olhos dela e perguntou  por que ela tinha ido la. Clara falou que foi por não ter sorte no amor. A cartomante disse que revelaria a felicidade e tirou o baralho de uma caixa. Pediu para ela dividi-lo em três partes. Depois foi mostrando a face de cada carta. Ns primeira carta, disse que a vida amorosa dela não era só para amor, mas vários amores. A moça se alegrou e falou porque que isso ainda não aconteceu. A cartomante virou uma nova carta e completou dizendo que ela iria ser uma mulher que amaria varias homens ao mesmo tempo. Na última parte das cartas quando revelou um novo aviso que será assim para sempre. A partir daquele momento a moça entendeu que se quiser ser feliz consigo mesma e com os outros era possuindo amor inrestrito a vários rapazes. Ao sair da casa entendeu sua situação de ser uma escolhida para essa dádiva. Amanhã, eu pinto os cabelos de ruivos. Pensou Clara satisfeita.

domingo, 5 de dezembro de 2010

TRÊS PESSOAS E O DESTINO


O homem sempre se percebe no fim dos tempos.”

Jorge Luis Borges


O professor Franco saiu para almoçar e próximo a escola havia um restaurante. Na metade do caminho encontrava-se uma velha barbearia. Parou e saudou o proprietário, conversou as amenidades e nada mais de extravante ou de pouca importância para os dois. Já se passava das 12 horas dia, momento em que as ideias estão óbvias. Não existe sombras para esconder o mistério ou segredo, o peso do tempo se faz ao revelar as verdades, sem força. E nessas ocasiões que se fatiam os pensamentos com lucidez e os distribuimos aos outros. 
Um sujeito entrou se dizer  nem bom-dia ou  tão pouco boa-tarde, aquilo assustou a ambos e ao próprio cliente que perguntou se poderia cortar o cabelo. O homem não só precisava cortar os cabelos  mas sim,  fazer a barba e retornar ao estado de civilizado. O barbeiro prevenido de acontecer incidentes, foi logo avisando que era horário de almoço. 
A relação entre barbeiro e cliente tem sentido singular para cada cliente se tem conversa ou assunto. É preciso perceber o que conversar. Em seguida se desfez da desculpa e se prestou ao serviço. O professor resolveu ficar para entender o desenrolar da conversa. 
O homem sentou na cadeira, o barbeiro colocou a bata. Tão logo as coisas estavam prontas, começaram os três a se fazerem perguntas e respostas entre si. As palavras foram desvelando o que cada um sentia e percebia, uma conversa conveniente ao momento. lava-se os pratos antes de usa-los.
Era um jogo de descobertas e conclusões francas que sempre se acorava quando um expunha o raciocinio ao outro. O professor Franco, o barbeiro junto com o cliente tinham em comum algo que se apodera da vida das pessoas a longo prazo. Algo que vai se infiltrando no cotidiano: a descrença com um futuro melhor e a esperança de que a humanidade vai ser totalmente boa. Isso se relacionava tanto as ideias que governam nossas crenças quanto as pessoas que admiramos. A maturidade e as experiências que viveram enquanto pessoas na vida, os fizeram perceber que o tempo claramente desconstroi as esperanças guardadas na meninice. E enquanto se domina a fome e cabelos, vai ao chão as certezas. Ao termino daquele corte, chegaram a uma conclusão de que estavam vivendo o fim da sociedade que são eles próprios. Não haveria motivo para continuar a esconderem as ideias e nem tão pouco poupar comentários pessimistas sobre a vida.