" Digam que estou doente. Digam que estou doente de amor" ( Cânticos dos cantos)
Para Chico Buarque
que me inspirou após ler Leite Derramado
Em meio ao velório da moça, os choros e as ladainhas eram cortados com perguntas de forma meditativa em relação ao se colocar livros no caixão ao invés de flores. Talvez, poderia ser por causa das flores que murcharam e não adiantava ficarem colocando outras e a moça sempre fora uma leitora de tudo. Somente aos poucos, alguns entendiam a atitude e o real motivo daquilo. A mãe sentada e quieta no canto da sala levava a razão verdadeira sem comentar. Com toda habilidade, tratou-se de desviar a verdadeira razão daquela morte. Os homens e as mulheres ali no funeral sabiam que a estranha doença apressou a morte da moça.
Alguns jovens desenvolvem acnes em todo o rosto, mas a moça criou manchas escuras que causavam pavor. As manchas se apresentaram ainda na puberdade e toda a adolescência dela, afastando as amizades e a convivência social. Fez uma peregrinação à vários médicos dermatologistas que observavam e examinavam cuidadosamente os sinais no rosto e não conseguiam curá-la. Exames de todas as ordens eram feitos e nenhum conseguia diagnóstica precisamente ao certo o que aquilo era realmente: Coisa da idade, alergia ou germe. Procurou-se até a ajuda de curandeiros, médiuns e outras denominações religiosas e nada. A psicologia também causou uma decepção maior, não coisa de alma...
Mas, foi numa sexta-feira da paixão que ela finalmente encontrou o médico que conseguiriam mudar o sofrimento e enfim curar a estranha doença que obrigava a moça a usar um véu. A beleza desfigurada era um misto de horror e desejo. Enquanto esperava a vez de ser atendida, a moça tinha nas mãos um livro que lia. As leituras foram refúgios de aventura da mocidade dela, já que era privada da vida social comum.
Ao entrar na sala, o médico reparou nisso. A moça com um véu comprido o rosto, vestido simples e um livro na mão direita. Notou porque era também leitor de romances desde menino. Ler livro tornou-se uma forma de escapulir da criminalidade na qual viveu. Era um doutor diferente dos demais. De origem humilde e negra, fora vária vezes motivos de discriminação por causa da pele, daí talvez a escolha por ser médico dermatologia. Sofrendo com os obstáculos sociais e as dificuldades da profissão, ele conseguia manter uma vida razoável, porém tinha um sentimento cético em relação às pessoas.
Para deixar a paciente mais tranqüila e iniciar a consulta, elogiou ela por ser leitora e perguntou qual o titulo do livro. O diálogo aproximou ambos e daí, veio a conversa sobre a doença da pele. A moça relatou com detalhes como tinha sido sua vida até o momento em que adquiriu as manhas. De maneira delicada, ela retirou o véu. Então, o médico observou o rosto por um momento demorado. Baixou a cabeça e prescreveu vários exames para serem feitos e em quinze dias iria ver o que fazer após os resultados. Como tinha a mania de levar livros no consultório, o médico resolveu emprestar um à moça. Em retribuição ela lhe entregou o livro que levava.
Quinze dias se passaram e o encontro entre a moça e o médico revelou outra novidade. A doença estava ausente do rosto dela, o olhar claro e um sorriso constante na medida em que relatava o sumiço das estranhas manchas, encantou o médico. Ele ainda observou o exame que ela trazia, mas não sabia o que acontecerá. Depois de tudo que disse, ela devolveu o livro que tinha pegado emprestada. O médico e a moça se envolviam em algo em comum que era a leitura de livros, talvez isso poderia ser o motivo para a real cura dela e o surgimento da paixão.
2 comentários:
A pele mais clara da alma, foi por isso que ela morreu. curou o externo mas a alma ficou perdida como em qualquer paixão. Gostei da narrativa não linear. fEZ-ME LER DUAS VEZES.
UM ÓTIMO TEXTO QUE REALMENTE NOS FAZ LER MAIS DE UMA VEZ, O SENHOR DEVERIA LEVAR PRA LER NA SALA!!!
REALMENTE ELA CUROU O EXTERNO, MAS A ALMA FICOU PERDIDA..
GOSTEI MESMO.
BJS ;*
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