sábado, 13 de agosto de 2011

Os donos da televisão

    


" Tu, saudades, revives o passado, reacende extinta felicidade."  (Oscar Ribas, Cultuando Musas)


      Não tinham televisão na cidade, mas já havia a casa mais arrumada da rua para recebê-la. A filha mesmo sem ter televisão acreditava ser diferente dos outros moradores. Desfila na calçada com bonecas de marca, brincava na área com quebra-cabeças, jogos educativos, montava casinhas de brinquedos. Quando estava com os amigos falava dos lugares que nenhum outro menino ou menina da vizinhança poderia ir. Contava como foi a ida ao circo e o espetáculo. Tinha uma memória incrível ou quiça imaginação, pois conseguia descrever cada apresentação com tantos detalhes que chegava a silenciar todos em volta dela. Se fosse ao parque de diversão na cidade narrava como uma aventura que jamais nenhum ouvinte poderia ter ido.  Tudo isso era contado com um pirulito, chiclete ou qualquer doce levado a boa. A superioridade da menina se completava na educação: A menina  estudava num colégio em outra cidade próxima de causar inveja as amigas.
       Certa vez avisou como uma notícia extraordinária aos amigos que o pai estava em São Paulo e iria trazer uma televisão. Todos ficaram num silêncio de auditório ao saber da notícia. O reinado da menina perfumada seria maior. E quando voltou de viagem trouxera a novidade em cores. Um encanto que atraia a todos quando ligada, as imagens fascinavam adultos e principalmente o imaginário das crianças. A menina se deu ao luxo de escolher quem poderia ir a sala e assistir ao sítio de pica-pau amarelo. Chegava no meio do grupo de crianças e apontava dizendo: Amanhã  lá em casa, você, você...e você e também você, podem irem assistir televisão comigo . Os demais meninos e meninas ficavam tristes. Quando chegava a hora, todos os outros corriam para a casa dela. Esperava que alguém não fosse ou faltasse para substituir a esse privilégio. A menina mandava entrar os escolhidos e ordenava a onde deveria se sentarem no chão. Depois ficava deitada no sofá da sala. Os outros que não foram convidados ficavam no lado de fora, na calçada, tentavam em vão olhar pela fresta das janelas para verem o capítulo do dia. A menina percebia o barulho e abria as janelas para poderem observarem por um momento o sítio do pica-pau amarelo. Mas mudava de humor e com raiva de qualquer coisa, ela fechava violentamente as janelas na frente dos meninos e meninas. Isso se repetia constantemente sem ninguém reclamar e por terem o prazer de assistir a televisão que chegava naquele lugar.
          Acontece que um dia o poder de controlar a imagem se acabou. Na praça da igreja foi construída um pequeno local e colocado uma televisão mais simples, porém para todos. Assim, ao entardecer, como num passe de mágica, aparecia  o vigia da praça que vinha lentamente e tranquilo e com cara de mandão. Subia num banco de madeira e abria a janela com uma chave. Depois ligava a televisão. Os meninos e meninas corriam para se sentarem igualmente no chão de areia e ali assistir ao sítio do pica-pau amarelo. Nenhum menino ou menina foi mais a casa dela, preferiam ficar com os amigos e verem as aventuras de Pedrinho, Narizinho, Visconde e Emília pelos reinos. Brincarem e imitarem os personagens. A menina ficava em casa sozinha e o que é pior sem ninguém ao redor.

2 comentários:

jardel disse...

HIAdorei costinha lembrei da praça da caraca em ACARI KKKKKKKKK,Jardel

Profdiafonso disse...

Olá, Costinha!

Grato por seguir o Terra Brasilis. Parabéns pelo blog!

Grande abraço!