domingo, 10 de abril de 2011

Nonato Coveiro




Quando entrou no campo santo, o homem de agora, era menino.   Meio das covas, o futuro coveiro descobria o lugar de trabalho como espaço de lazer. Nonato acompanhava sem nenhuma crença divina o pai na visita semanal ao túmulo do irmão falecido. Queria trabalhar ali, repetia para si com satisfação. O lugar possuía uma atmosfera de tranqüilidade com árvores cheias de sombras e os pássaros cantando. As formas suntuosas dos túmulos com estátuas de santos eram um primor. No centro do cemitério, a igreja simples que representava à reflexão sobre a vida e  a morte.
 Enquanto o pai rezava cabisbaixo no túmulo as orações tradicionais ao filho querido e sempre dizia baixinho: eu te amo, filho. Nonato observava as fotografias, rosas e velas organizadas nos túmulos. Nunca esqueceu uma das visitas. O pai pegou um papel no chão e escreveu alguns versos e colocou sobre o mármore do túmulo do irmão. Nonato saia para desvendar os mistérios do cemitério em preto e branco, crucifixos em tamanhos diversos, acompanhar enterros que aconteciam e as rosas lhe revelavam outro gosto pela arte dos contornos. 
Acompanhava os enterros a distância que acontecia e observava o comportamento dos coveiros. sóbrios no despejar areia e com respeito em meio a choros e lágrimas. Mantendo-se equilibrados e não se envolver  deveria ser tarefa difícil. Aqueles homens eram guardiões da diferença entre está vivo sem mortos por perto.
Certa vez, a professora perguntou qual profissão queria ter? Inocentemente respondeu: coveiro. A gargalhada foi geral na sala que até mesmo a professora não se conteve e riu também. O cemitério se tornou na cidade o lugar de trabalho. Orgulhoso, todo dia acordava cedo e ia para lá.
A razão da descoberta de um lugar para os mortos na cidade mudou até o próprio  sobrenome dele: Coveiro. Trabalhar abrindo a cova, enterrando gente ou retirando os ossos. lhe enchia de gratidão por está participando da sociedade. Qualquer dia da semana era igual no cemitério para o coveiro e isso lhe dava a alegria especial.
No começo, Nonato coveiro memorizava os números dos enterros que  aconteciam. Depois foi esquecendo a quantidade e só ficando na memória os mais interessantes. Pela observação já saiba de quem se tratava em cada funeral: indigente, padre, médico, advogado, professor...qualquer pessoa poderia ir ali dentro do caixão. Ao longo da profissão de coveiro, Nonato guardava na memória tantas histórias que isso serviam de lição para si mesmo sobre o não ter medo da morte.
A experiência que Nonato jamais esqueceria era do enterro que não tinha ninguém para levar o caixão então, ele com os amigos levaram respeitosamente.  A mãe nos instantes finais pediu para jogar a areia com cuidado, o caixão tinha o único filho. Após isso, com as mãos ainda sujas de areia, a senhora emocionado e sem constrangimentos, pegou em suas mãos e beijos as palmas. Em seguida olhou nos olhos e comentou: o que seria de mim sem a ajuda de estranhos. Essa experiência Nonato coveiro não esqueceria enquanto vida tivesse. A morte une pessoas estranhas entorno dos finados conhecidos.

segunda-feira, 14 de março de 2011

A louca das flores




Para Rose Viol.

 Qualquer cidade tem  loucos e suas histórias em torno deles. Também há rosas e flores pelos canteiros das praças e Jardins. Os loucos vivem  andando pelas ruas, conversando sozinhos ou chamando a atenção dos populares. Vestem-se de forma estranha aos demais moradores. As pessoas sabem um pouco da história, cada  louco que transita na ruas tem uma explicação para se tornar louca. As rosas e flores tem suas temporadas para aparecerem
Os homens e as mulheres generosos, censuram quando algum menino ou  adulto tenta inflamar a ira de um louco. Sensíveis, lamentam ao ver a cena na rua: um  louco em fúria por causa da brincadeira ou provocação. Os outros alheios a generosidade, gostam da diversão e acreditam que o internamento num hospício seria melhor para evitar situações como as quais podemos encontrar.
Havia uma louc na cidade. Ninguém sabia explicar porque ela se tornou louca. Uma mulher alta e elegante que andava  dando um passo e depois juntando as pernas. Vestida de branco e com flores e rosas na cabeça, carregava um ramo misturando  as flores  novas e velhas nas mãos que  ela mesma pegava cuidadosamente nos jardins e praça da cidade. Cantava tristemente: "...Terezinha de jesus de uma queda foi ao chão, acudiu três cavaleiros..." Ficava de frente a floricultura a ver  com carinho e  a conversar silenciomente com as rosas e flores.  Ia para frente da igreja e nunca entrava. Após o fim da missa, entregava  a cada homem uma rosa e depois sorria. Nas lojas de noivas, a doida das flores observava a vitrine por horas com o pensamento perdido diante dos manequins.
As explicações para aquilo eram as mais confusas. Havia um grupo de moradores que  defendiam o seguinte: A  louca quando era moça rica. Quando ficou noiva, no dia do casamento, tudo pronto: igreja e festa. Seu noivo morreu numa queda do cavalo. Daí, sua loucura por carregar flores, entregá-las aos homens na porta da igreja e ficar vendo os vestidos de noivas nas lojas. Outros explicavam o contrário: Quando moça, o pai fazendeiro e ambicioso, a prometerá  em casamento ao um  jovem rico contra vontade dela.   No dia do casamento, ela havia fugido e morar longe por muitos anos longe da presença humana. Ao voltar para a cidade, voltou louca. Perdeu toda as relações com os parentes e amigos.  A verdade é que ninguém mais saberia explicar o certo, o que aconteceu com mulher que todos chamava: a doida das flores. Não se contava a história direito e as crianças distorciam ainda mais a história da mulher com vestido branco e flores na mão conhecida como a doida da flores.
A idéia que dominava a mente das pessoas era que a  louca das flores carregava uma culpa pesada e  de tão pessada foi que enlouquecera. Estava sendo castigada por alguma coisa, pois perdeu a razão. E assim, vivia no meio das pessoas na cidade. Amada ou ridicularizada.
Era hábito das pessoas provocá-la para ouvir desaforos da boca. Vê-la descabelar-se, pegar pedras e jogá-las, dizer disaforos com palavrões e versos biblicos. Qualquer um que gritasse: seu marido morreu !!! Não houve casamento! Pronto. Estava formada a confusão na rua.
Certa vez, três rapazes que estava voltando da escola, resolveram provocá-la. Virão a louca  das flores deitada num banco da praça.  Deram urros e gritaram desaforos. Nada aconteceu. O mais velho organizou nova investida. A partir da ordem dele, todos jogariam as pedras. As três pedras bateram, com intervalos curtos.  Parecia não ter acordo com as pedras. Resolveram passar novamente correndo um a um e irem puxando e arrancando as flores das mãos.  Não houve reação. O  rapaz do meio resolveu derramar um copo sujo com água em cima dela. Não esboçou nenhuma ação. Pensaram: a louca devia está preparando um momento para pega-los.  E de tanto provocá-la acabaram desistindo da brincadeira.
Somente o mais velho resolveu ficar. Os outros dois partiram. Aquilo lhe inquietou o coração. Ele foi se aproximando lentamente dela. Passos feitos com cautela. A louca se contorceu. Parecia que estava falando alguma coisa. A boca remexeu e falou baixo. Todo o desejo de maltratá-la desaparecera. naquele instante. Talvez estivesse sentindo alguma dor ou um movimento trêmulo, pensou ele. A medida que chegava mais perto virá que não estava a doida das flores fazendo alguma armação.
A mulher gemeu com as flores agarrada no ventre de modo que ele entendeu. O rapaz se combadeceu. Ficou aflito com a ideia de que havia uma mulher no meio da praça que parecia está passando mal e ninguém via aquilo. Nem lembrava mais que ela era doida. Desajeitado, colocou a cabeça no colo dele, alisou carinhosamente os cabelos e foi  quando ela abriu os olhos verdes que ele nunca tinha reparado nisso. Não era água  que queria, era remédio ou médico... Gritou quase berrando para os transeuntes: chamem a ambulância, ela está morrendo. O desepero apoderou-se de seu coração. A  louca das flores simplesmente falou: não me deixe só, por favor. Fechou os olhos e morreu. O rapaz permaneceu da mesmo jeito até a ambulância chegar e levasse o corpo desvalecido.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Björk ou como fazer som em tempo de tecnologias



Não é a maior cantora pop, cantora é pouco. O título de pop parece perigoso  para classificá-la. Isso fique com os devotos de Madonna ou Britney ou Beyoncé ou Gaga ou...Tão pouco é fácil de ser compreendida sua carreira, Björk é original no que faz quer seja no cinema, nos shows ou nos discos, tudo tem um  certo toque de Midas que rompe com tudo antes feito.
A atuação impecável em “Dançando no escuro” ( Lars Von Trier), foi impactante para mim. Daí, não consegui deixar de ser admirador: Sempre ponho flores nessa deusa nórdica pagã. Os vídeos são, cada uma, de expressão singular, uma ode e retorno ao tribalismo em tempos globais. Poucos artistas conseguem isso. Digo isso com convicção. Chegou a ganhar o Cannes de melhor atriz. O exercício de decifrar a deusa do gelo que se reinterpreta com originalidade  a cada produção com talento é para poucos. Bjork faz a união da arte com a tecnologia, tarefinha difícil para as popozudas hoje. A tecnologia pode fazer o artista um pássaro preso dentro dos recursos midiáticos. Björk vai quebrando modelos encarcerados na industria pop cultural....Ser cantora é pequeno demais para o talento contido.
A admiração é pouco por ela. Sinto um misto de medo ( o medo sempre me guiou diz no ouvido a cabocla Clarice) e vertigem criadora (confirmou o santo no outro ouvido: Salvador Dali). Os anos só ampliaram essa relação prazerosa vinda da Islândia. Quando soube da vinda dela ao Brasil, mais medo e vertigem... Björk ouvia e admira as vozes de Milton Nascimento e Elis Regina. Conheceu o mesmo e os filhos da pimentinha numa dessas vindas por aqui.  Gravou a música: Travessia, cantada em português. Álias, o inglês dela não buscar ser americano ou britânico, autenticamente pronunciado como um estrangeiro.
Noutra vez no Brasil, de forma anônima para o carnaval em Salvador. Chegou-se a comentar como uma “branca cor de gelo” conseguiu isso: passar todo o carnaval, sem chamar a atenção de quase pretos e dos fotógrafos. Simples: Björk não alimenta a áurea capital das revistas de celebridades. Sabem a quem cativar.
Dois trabalhos autorais me chamam mais a atenção: Vespertine e Medula. Esse último rompe com tudo que sabemos dela: sintetizadores e o rótulo de música eletrônica. Novamente a Islandesa gravou as músicas acompanhada com um coral da Groelândia. E pensar que ela começou com uma banda punk...
A crítica especializada sempre fica em transe com a capacidade de interpretação a cada trabalho autoral. Fiquei quando vi no filme e ainda não sai desse transe pensativo na sala de cinema. Produtora, compositora, cantora e coisa e tal.


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sobre as estrelas



"Brilhar para sempre, brilhar como um farol, brilhar com brilho eterno, gente é para brilhar..."
( Maiakóvski)

O destino está nas estrelas. olhando as constelações a noite podemos fazer várias leituras delas. Se a sorte ou o infortúnio ocorre da forma como vemos, lemos e admiramos as estrelas. Precisamos criar uma relação entre a vida que vivemos na terra e as estrelas que se compõem no céu. Uma estrela guiou reis  magos para a criança que nascia, outra que cai e o desejo que se pensou e as três marias poderiam sugerir irmãs...
Há tempos atrás, fugindo da seca, os retirantes saiam em família numerosa pelas estradas, faziam de tudo para escapar das piores situações: não morrer de fome, sentir sede e não ter água para beber ou simplesmente serem abandonados pelo meio do caminho. Os maridos viajavam sozinhos para as cidades distantes, deixando os filhos na responsabilidade das esposas. Alguns nunca voltavam para o lar. Crianças eram mandadas para casa de familiares. de onde nunca mais teriam contatos com sua família. As meninas quase moças se tornavam objetos de trocada por comida ou animais. Meninos quase homens também são trocados por dinheiro. Isso acontecia por causa da seca.
Cada menino, cada menina que vivesse tal situação de abandono e privação, os pais buscavam uma explicação para que se aceitassem a situação. Diziam: você vai se encantar, virar estrela no céu, onde eternamente seu pai, sua mãe poderá vê-lo. A lua os transformava em pequenos astros para morar no céu. Se uma nova estrela aparece em volta da lua, será a criança que carregou o peso da violência da seca.
Assim, se um retirante olhasse para o céu estrelado, procurava encontrar o filho perdido na estrada ou a filha abandonado numa casa distante na forma de estrela.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A vingança de João de Deus










“ venenos de Deus, remédios do Diabo.” (Mia Couto)

Independente do inverno ou da estiagem, o sertão quer  caçadores.  João de deus era meio caçador e meio vaqueiro.  Alto,  já com certa idade,  corpo fechado,  falava e cuspia mostrando como fora as aventuras. Admirado nas redondezas pela arte de caçar com armadilhas ou pelo tiro. Se elogiava  a habilidade de se posicionar e  mirar. Atirava pouco e certeiro com as balas. 
Desde menino era assim, conseguia acertar de longe o beija-flor e até no fim da madrugada, atingia os preás no árido breu. Quando saia  para pescar mantinha a mesma habilidade em capturar os peixes astuciosamente. Por outro, as pessoas comentavam sobre o fato de não ser pai: pacto com o tinhoso em troca da pontaria.
Certa noite fria,  João de deus e a mulher estavam no alpendre da casa  com  os vizinhos acocorados. Eles sempre iam ouvir as histórias de caças.  Nessa  ocasião, João de deus contava como pegou uma onça feroz iluminado pela lua. Quando de repente, tiveram a visita inesperada de Diana, uma cigana que andava com seu grupo pela região. Do portão do sítio, lhes pediu comida e água. A mulher foi logo buscar. Depois de saciar a fome, Diana retribuiu o prato de comida lendo a mão esquerda de João. Garantiu nas linhas tortas a vinda do filho. Tempo depois, a mulher confirmou a João de deus: que estava em grávida.  Toda noite a barriga crescia um pouco até ficar redonda e pela forma era um menino.
O inverno veio. As chuvas encheram os açudes. Deixando verde a terra. Depois chegou a estiagem. Árvores  tolhidas com folhas secas. Vento abafado.  OS bezerros em orfandade. Enquando o menino se edificava na barriga. A mulher na espera do parto, resolveu  fazer um borná branco como algodão. Queria que o filho seguisse o rumo do pai nas caças.
No dia do parto. Enquanto o menino nascia, a mulher falecia. João de deus mergulhou na tristeza funda. Cabeça baixa e olhar pensativo. Dizia que o  filho era culpado por ter matado a esposa. João não tinha alegria de viver. Começou a beber sem controle. O filho ia crescendo assim, tristonho e calado.
Nas noites enluaradas, João de deus saia à caçar. Não eram os animais, mas o diabo. Se embriagava, colocava o chapéu e pegava a espingarda. Ouviam-se tiros e injurias de João ao longe. Gritos e murmúrios.
Numa noite de calor, percebeu um movimento incomum na catinga. Era o “cavalo do cão”. O barulho que o diabo faz à monta-lo. Mirou na escuridão o zumbido e apertou o gatilho. O tirou fez fisca da espingarda com uma  claridade ofuscante. Tudo se iluminou da espingarda ao bicho atingido. Ao ver o corpo estendido no chão percebeu o infortúnio. Acabara de acerta o filho que estava com o borná branco. A imagem do filho agonizando devorou todo o pensamento de João de deus. Daquela noite em diante, o pobre homem trocou de vez o dia pela noite. Foi viver numa caverna, onde passava enclausurado e a noite saia para caça animais ou o diabo.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O cangaceiro e o beato




Para Jararacá( que não fez a prece final)
“ O sertão é uma espera enorme” ( Guimarães Rosa)

Um cangaceiro que atormentava as pessoas e só vivia de fazer maldades nas entocas da caatinga se encontrou com um beato  que andava pelos sertões a ajudar aos mais necessitados,  fazer caridade aos pobres e dar bons conselhos aos desorientados da vida.
Quando os dois se viram, o cangaceiro sacou da arma e avisou que seria a última vez  que o beato viria alguém. O beato pediu que fossem  para debaixo da sombra de um juazeiro próximo já que era tarde e o sol forte castigava com o calor nessas horas com desassosego. O cangeiro concordou. Ambos andaram para debaixo da árvore. Na sombra do juazeiro, o beato ficou em silêncio a pensar. O cangaceiro disse: reza  pela derradeira vez.  Reze por você, por mim e toda a gente desse sertão. Daí, respondeu o beato ao cangaceiro: Você vai esperar até que eu acabe com a prece. O cangaceiro falou:  Pode fazer, eu espero o tempo que for.
O velho ajoelhou-se. Fez o sinal da cruz. E começou a  prece.  Rezou do meio-dia até o anoitecer, do anoitecer rezou ao dia raiar, da manhã até a noite de novo. Do verão  até o invernada.  A reza se alongou de  um ano após outro.
O juazeiro cresceu tanto que chegou até as nuvens, dos frutos nasceram novos juazeiros até toda a redondeza virar uma imensa mata e a prece final não terminava...A arma do cangaceiro se fez pó há muito tempo, as roupas de couro ficaram finas. O calor ressecou os dois, mas nada afeta a espera. Já não possuem forças para sair da posição que estão e do lugar que ficaram. Mesmo assim, a vida continua no sertão entre a ameaça de ser tirada a vida e o amém final da prece  a Deus.