segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O Furinho

No domingo poderíamos ter um pouco de prazer para quem passava a semana somente com alimentação trivial. Nesses tempos de crise econômica, os cortes são feitos no pouco de divertimento que temos. A feira do mês, os pais chegavam com cada vez menos sacolas. No entanto, uma lata de leite Moça para fazer um pudim e servi-lo na tarde de domingo era o luxo da família e depois de aberta era disputada pelos 5 filhos que faziam sua limpeza a dedo.  Os filhos eram comuns a quaisquer outros...unidos e desunidos conforme a situação. O mais velho com 13 anos, Marcos tornava-se mal criado e o mais novo Francisco com 8 anos, sonso. Ainda havia Paulo com 9 que sonhava em ser cantor famoso e Rodrigo com 12 anos queria ser jogador de futebol. Flavio era o intermediário 10 anos, meigo e sempre pronto para ajudar a mãe. Seus olhos brilhavam ao verem a lata sair da sacola do supermercado. E o desejo só aumentava com o passar do tempo, queria antecipar-se ao sabor do leite Moça;
Certa vez não se conteve, ficou com insonia de saber que lata estava na geladeira. Aquilo lhe atormentava, o coração batia acelerado enquanto os demais familiares dormiam na casa. Não se conteve e silenciosamente foi até a geladeira, fez um furo minusculo e sugou um pouco do leito. Voltou para a cama, onde dormiu satisfeito.
No domingo, a mãe foi fazer o tradicional pudim de leite para aliviar a amargura da semana. Ao abrir percebeu o furo e a quantidade pequena de leite. Ainda assim, fez o pudim e reclamou aos filhos. O pai ficou enfurecido. Ninguém assumiu o furo. Criou um clima de perseguição entre os filhos sobre quem seria o responsável sobre o crime. Alguém teria que ser culpado por aqui.
No inicio do mês, os pais vieram das compras do supermercado. As sacolas cheias de mantimentos. Tiraram um por um. E por fim, saiu a lata de leite condensado. Os olhos de Flávio tentaram desfaçar o desejo de pecar. Mas, acredito que até alguns esqueceram do que houve e do clima chato que ficou na casa durante os dias.
A noite de sábado veio e a ansiedade nas horas que Flavio escondia como um segredo. Aos poucos a casa foi se enchendo de silêncio. O pai e a mãe foram dormir. Ele deitado na cama, tentava dormir. O coração parecia lhe falar : vá. fure a lata. Seja valente. E batia acelerado. Veio um calafrio e na escuridão, Flavio caminhou em direção a geladeira. Abriu um pouco. E Pegou a lata de leite furou e sugou o leite de olhos abertos o quanto pode.
De manhã, o pai e a mãe descobriram o ocorrido. O pai anunciou a todos: Alguém vai ter que assumir o furto do leite...ou todos levaram uma surra. Pânico Geral. A mãe tentou amenizar o situação, mas o decreto estava feito. O pai deu a sentença: Amanhã, quando voltar do trabalho de noite. Um de você terá que assumir que furou a lata ou todos sofreram.
Aos poucos os filhos foram de acusando entre si.
A segunda-feira nesse dia tinha um sentido, quando no horário tradicional, o pai veio. Trocou de roupa e retirou a chinela. Chamou os filhos e colocou lado a lado. Fui chamando um a um, Batia a chinela na palma da mão. O barulho causava pânico. Pouco a pouco, o choro chegou. Então. levantou a mão. E chorando disse: Pai, fui eu quem furei a lata esse tempo todo. O pai ficou paralisado com confissão de Rodrigo. Mas também Marcos também assumiu que fez o mesmo e Flávio olhando para os irmãos, disse que era autor do furto noturno igual aos irmãos. Disse da ansiedade que tinha em fazer e a dureza de passar a semana sem nenhum doce. Enfim, quase todos sugaram um pouco do leite Moça. Em uma época onde as dificuldades econômicas eram desafios para a sobrevivência como também para se conseguir um prazer mesmo proibido, somos provocados a sermos sorrateiros.

2 comentários:

Idealizadores disse...

Muito bom ler um conto como este, caro Chico Sales. Admiro e muito sua capacidade persuasiva, interativa e criativa
Continue com o trabalho e seja fonte de inspiração para mais e mais jovens deste país tido como sub-desenvolvido em termos culturais. Como sugestão, deixo a ideia de você incentivar e, quem sabe, com apoio da prefeitura de sua cidade, bancar a publicação de suas obras e de seus alunos. Parabéns!

Chico sales disse...

OBRIGADÍSSIMO PELA LEITURA E COMENTÁRIO. O CONTO AGORA É NOSSO. O seu apoio é imprescindível para a continuidade do que eu faço.