quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Sonho de Natal


Tantos anos ali na cidade e o cemitério se destacava de longe, entre os prédios. Qualquer morador saberia onde ficava a entrada com pórtico maçônico e crucifixo onde as pessoas colocavam pedras. Era fim de tarde, aos poucos a luz  estava diminuindo enquanto que o vento forte dava rajadas. Cássio atravessou a rua com passos firmes. Os dois pés juntos pararam no pórtico,  suspirou feito uma prece rápida e entrou. Sua primeira visão do local era os túmulos antigos, as cruzes barrocas e as estátuas de anjos envelhecidas. Caminhou lentamente na alameda de acácias. As fotografias, os nomes, das datas e as flores, agora lhe roubaram a atenção. Um gosto de morte estava na saliva.  Em volta, o silencio era gigantesco. Levantou a cabeça e olhou o céu, percebeu um azul escuro e tons amarelados. Se imaginou no futuro ali o seu funeral: dentro de um caixão sendo levado lentamente e as pessoas em volta. O coração acelerou e veio a voz ríspida: Fecharemos em breve. E o senhor com chaves a tira colo passou. De repente um gato preto passa veloz.  Sentiu um calafrio. Aquilo atiçou a curiosidade. Começou a procurar pelo gato e foi se misturando em meio aos túmulos. Olhou um tumulo de mármore: José Leite de Santana, estava escrito. Um negro, parecia alto na foto. Vulgo: Jararaca. Pensou consigo mesmo: será que amou muitas mulheres ? Acariciou, beijou...fez sexo. O aroma perdido fez ele levantar a vista. Reconhecia aquele cheiro entrando pelas narinas sem pedir licença e viu a árvore com o fruto vermelho vivo. Andou até a copa. Pegou o caju maduro e retirou. Mordeu com gosto e sua seiva escorria pela boca. Sentia o prazer sem explicação de olhos fechados quando alguém gritou : Ladrão de cemitério !!! Apontando para ele. O susto lhe arremessou a correr. Levou uma carreia que lhe fez parar noutro tumulo para respirar um pouco e ler o nome : Saldanha. Todos os coveiros estavam a sua procura...escapuliu pela noite que se iniciava...
Ainda na rede de dormir, o sono já não era tão pesado. O dia se anuncia de tal maneira sólido com o calor forte e intranquilo da brisa matinal. Que manhã bonita! E de fato, como seria bonita a vida nesse lugar se não houvesse as misérias sociais e afetivas. Terríveis e desesperadoras misérias das quais não haviam onde se esconder numa véspera de natal. Cássio se balançava na rede, ouvia os barulhos, ora distante e por vezes da cozinha. Meio fragmentado, recordava o sonho incompreensível. Será que jogo no bicho hoje ?

2 comentários:

Anônimo disse...

Qual seria a sugestão para o jogo do bicho, então? :-D

Chico sales disse...

O sonho continua. Do desejo surreal dentro do cemitério ao acordar numa vespera de natal e se questionar intuitivamente sobre o resultado do bicho...